Por estar num
plano mais alto, o Morro do Carapina ostenta uma vista privilegiada de grande
parte da cidade de Governador Valadares. Esta condição de visão permite aos
apaixonados pelo futebol, assistirem a jogos que se passam no Estádio da
cidade.
Desde novos
nos acostumamos a procurar o melhor espaço para acompanharmos as partidas da
Pantera contra os seus adversários, especialmente contra América, Atlético e
Cruzeiro.
É uma tradição
que perpassou o tempo e transferiu de pai para filho a alegria de acompanhar
dos barrancos e terraços grandes jogos que aconteceram no Mamudão.
Meu pai, desde
a infância, gostava muito de futebol e tinha o grande sonho de ser um narrador.
Por ser portador de hemofilia, ele não podia praticar o esporte, entretanto,
subia nos barrancos para vestir-se no papel de narrador esportivo. Isto se
passou em São José do Acácio.
Após vir para
Valadares se encantou ainda mais pelo futebol e pela paixão de ver e narrar
jogo; infelizmente, não se tornou um narrador profissional, mas brincava de
narrar para si mesmo e para quem estava à sua volta.
A condição
financeira limitada não foi obstáculo para pertencer ao espetáculo do futebol,
pois bastava procurar o melhor lugar no alto do morro e pronto; era só aguardar
o começo das partidas.
Claro que meu
pai contava com um aliado fiel: o rádio! O que não se podia ver de tão perto,
era vislumbrado pela arte da imaginação fomentada pela voz e interpretação de
grandes radialistas que geravam a real sensação de que ele estava dentro do
Mamudão.
Cresci
aprendendo a acompanhar os jogos de lá; do alto do Morro do Carapina. Quem não
tinha seu radinho, posicionava-se perto de um vizinho de “arquibancada” para
sentir mais de perto a emoção do jogo.
Um fato
interessante é que tenho um tio emprestado, chamado Camilo José de Andrade,
este sim, era fominha mesmo; chegava no barranco logo após o almoço de domingo.
Podia marcar meio dia que ele já estava lá, garantindo seu lugar,
principalmente quando o Democrata mandava jogos contra os grandes da Capital
Mineira.
E na hora do
gol? Era uma festa completa com risos, gozações, vibração e muito cuidado para
não despencar despenhadeiro abaixo.
A rivalidade
entre atleticanos e cruzeirenses era também uma tônica importante, pois ambos
reforçavam a torcida da Pantera quando o assunto era secar o rival.
Muitos
moradores antigos do bairro tinham o bom hábito de comparecerem na Rua Iara
perto da “Mercearia do Nicão” para conferirem as partidas.
Quem era mais
novo se via na obrigação de respeitar o direito de antiguidade. Alguns mais
maduros na idade tinham cadeira cativa, quer dizer, tinham um pedaço de
barranco cativo; lugar dominical quase sagrado.
Escrevendo
este texto, a mente viaja no tempo... Quanta saudade!
Foi um tempo
maravilhoso em que a gente convivia em harmonia com os amigos. Mesmo que
houvesse um ou outro que torcesse contra a camisa do nosso time, não tinha
problema; o que nos importava era a beleza da visão que tínhamos. E o melhor de
tudo, nem precisávamos de dinheiro para tal deleite.
Nos tempos
atuais, algumas coisas impedem que os apaixonados torcedores frequentem os
barrancos do Carapina. Infelizmente, não tem como não protestar contra a
violência nos becos e vielas; não tem como não mencionar a edificação de
prédios ao redor do Estádio José Mammud Abbas; e, infelizmente, não se pode
calar ante a falta de urbanidade das pessoas do século atual que são
intolerantes, e até agressivas, com aquele que torce contra a camisa de seu
time de coração.
Coisas estas
que obstaculizaram a visão privilegiada e furtaram a alegria e a beleza do jogo
de futebol acompanhado do Alto do Carapina.
Nicomedes Felício
Apaixonado pelo futebol
Morador do Morro do Carapina
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